E lá está você: parada; trêmula; gélida até. Suas mãos aprecem feitas de mármore; seus olhos, de vidro; e, se não soubesse melhor, poderia até jurar que há um ciclone em plena formação no seu estômago.
O engraçado é que há apenas um segundo atrás – quando tudo era apenas um roteiro planejado na sua mente- parecia tão mais fácil! Só vá lá e fale, você pensou, não pode ser tão difícil. E, realmente, não seria, se ao menos você se lembrasse de como se executa essa complexa ação de um modo natural e compreensível.
Afinal de contas, o que foi que aconteceu? Para onde foi toda aquela coragem súbita e excitante que você tinha certeza de ter?
Bem, a questão não é exatamente onde, mas sim como ela está. Porque toda aquela massa sólida e palpável de bravura que te preenchia acabou por transformar-se subitamente em nada mais do que… Pólvora. E como se já não bastasse isso, ela ainda se retraiu bem para o fundo, o mais longe que pôde, deixando apenas um rastro fino e tão tênue que você tem dificuldades de enxergar ou realmente acreditar que está mesmo ali.
Mas é essa a boa notícia: o traço está ali.
Agora está tudo mais difícil, delicado e demorado. Mas não acabado. Na verdade, está ainda mais fácil do que antes porque você precisa de muito menos para que funcione
Uma faísca. Só uma. Umazinha, por mais fraca que seja. Você só precisa disso. Só precisa decidir que quer usar aquela pólvora, aquela coragem, e dar o primeiro passo. Qual é, você consegue. Uma palavrinha só. Abra a boca, tente, não pode ser tão difícil, certo? Você fez isso a vida toda, sempre adorou falar e soube exatamente o que dizer para os outros. Vamos lá, faça isso só mais uma vez.
E então, acontece. Você recupera o controle da sua língua e consciência e emite um som natural e compreensível. Nem sabe ao certo o que disse, mas parece ter funcionado. Aos poucos volta a sentir suas mãos, percebe que pode piscar e mesmo mexer os olhos e, aparentemente, aquele tornado era só um alarme falso. Não há mais suor frio, tremulação ou inércia.
Você percebe – um pouco surpresa, até- que fez de novo: agora sua boca parece trabalhar automaticamente, falando ainda mais palavras e elas começam pouco a pouco a fazer sentido. Seu roteiro tão bem planejado não está saindo exatamente como você imaginou, mas assim parece funcionar também. Porque você precisava dizer, não importa como. Você precisava fazer algo; precisava ao menos tentar. É isso que você está fazendo. E isso a faz se sentir bem.
Enquanto isso, a pólvora do barril da coragem continua a queimar, mesmo que lentamente. Alimentada por aquela única e quase imperceptível faísca que você decidiu lançar.